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O limpa-chaminés nunca esqueceu o Natal no castelo do conde
(Na foto: Vaux-le-vicomte)
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Tinham-no chamado ali por acaso, três anos antes, para limpar uma chaminé, certa noite de Natal em que o conde dispunha na lareira uma enorme pirâmide de brinquedos e guloseimas, para fazer surpresa a seu filho Tiago, quando acordasse na manhã seguinte.
Mathiote era da idade do filho do conde. Ao surpreender o olhar de admiração que o pequeno limpa-chaminés lançava àquelas maravilhas, e seduzido ao mesmo tempo pelo seu ar inteligente e honesto, conversara alguns momentos com ele, dera-lhe uma moeda de ouro e mandara-o para a copa, onde lhe serviram um bom jantar.
A lembrança enternecida daquela festa inesperada levava ali todos os anos, na mesma data, o limpa-chaminés, que recebia sempre broas e sopa quente, para as quais o atraía não só o reconhecimento, mas também a gulodice e o interesse.
Ora, naquela noite, que era a de 24 de dezembro de 1793, o pequeno ficou surpreendido ao encontrar o palácio fechado. Nas janelas não brilhava uma luz.
Deixou cair por várias vezes a aldrava da porta, sem obter resposta, e ia já desistir e virar as costas, muito desiludido, quando avistou na extremidade da rua, na escuridão já densa, o vulto de um rapazinho que se encaminhava a largos passos para o palácio. Mathiote reconheceu Tiago de Morambert e correu para ele.
— Ah! És tu, Mathiote… Coitado, vieste!… Anda, vem depressa, é melhor entrarmos.
Mal entraram em casa, Tiago rompeu a soluçar:
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Naquela noite de Natal na Revolução Francesa,
o conde aguardava a condena de morte
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— Há oito dias que meu pai foi preso. O Comitê revolucionário desta área denunciou-o. Vão julgá-lo antes do fim do ano. Ai, Mathiote! O meu pai está perdido!…
E o pranto do pequeno redobrou. Mathiote, a quem o Terror em nada alterara a humilde existência, soube que o conde era acusado de “incivismo”, crime terrível naquela época, e que o cadafalso era inevitável.
Havia oito dias que Tiago ia postar-se todas as tardes em frente à prisão. Tinham-lhe recusado a consolação de falar com o pai, mas pelo menos, através das grades de uma janela que dava para a rua, via o conde atirar-lhe beijos.
O pobre rapazinho ficava ali até ao anoitecer. Regressava justamente dessa dolorosa “entrevista”, no momento em que Mathiote o encontrara.
— Não se aflija, senhor Tiago — disse o limpa-chaminés, desolado com o que acabava de ouvir. — Esses malvados não podem matar assim o senhor conde, que é tão bom, tão caridoso.
— Enganas-te. Foi isso que o perdeu.
— Tenha coragem e deixe o caso comigo.
— Contigo? Que podes tu fazer?… Qualquer tentativa de o ajudar só serviria para apressar a execução.
E Tiago recomeçou a chorar. Mathiote consolou-o o melhor que pôde. Os dois rapazes estiveram juntos cerca de uma hora. Quando o limpa-chaminés saiu do palácio, anoitecera de todo. Dirigiu-se em passo rápido, e quase alegre, para o centro de Paris.
O conde de Plessis-Morambert fora encerrado na prisão da Abadia. Durante as primeiras horas de cativeiro, dominado por essa sobre-excitação raivosa que se apossa de todos os presos, andara às voltas na cela, como uma fera na jaula, esquadrinhando os cantos da prisão, sacudindo as grades da janela, procurando arrombar a porta, esforçando-se, em suma, por descobrir qualquer meio de evasão.
A solidez dos varões, a espessura das paredes, as enormes dimensões da fechadura atarrachada por grandes parafusos, depressa lhe dissiparam as ilusões.
A essa natural agitação, a inatividade forçada fez suceder longas horas de prostração. Invadira-o uma espécie de resignação calma, e nessa noite, à frouxa luz de uma lanterna que o carcereiro acendera, sentado na única cadeira de palha que mobiliava a cela, com os olhos fitos na chaminé vazia, meditava tristemente.
O seu pensamento fugia para o lar onde se sabia tão amado. Via o seu pequeno Tiago lavado em lágrimas, sozinho no palácio deserto, pedindo por ele a Deus.
E o pranto do pequeno redobrou. Mathiote, a quem o Terror em nada alterara a humilde existência, soube que o conde era acusado de “incivismo”, crime terrível naquela época, e que o cadafalso era inevitável.
Havia oito dias que Tiago ia postar-se todas as tardes em frente à prisão. Tinham-lhe recusado a consolação de falar com o pai, mas pelo menos, através das grades de uma janela que dava para a rua, via o conde atirar-lhe beijos.
O pobre rapazinho ficava ali até ao anoitecer. Regressava justamente dessa dolorosa “entrevista”, no momento em que Mathiote o encontrara.
— Não se aflija, senhor Tiago — disse o limpa-chaminés, desolado com o que acabava de ouvir. — Esses malvados não podem matar assim o senhor conde, que é tão bom, tão caridoso.
— Enganas-te. Foi isso que o perdeu.
— Tenha coragem e deixe o caso comigo.
— Contigo? Que podes tu fazer?… Qualquer tentativa de o ajudar só serviria para apressar a execução.
E Tiago recomeçou a chorar. Mathiote consolou-o o melhor que pôde. Os dois rapazes estiveram juntos cerca de uma hora. Quando o limpa-chaminés saiu do palácio, anoitecera de todo. Dirigiu-se em passo rápido, e quase alegre, para o centro de Paris.
O conde de Plessis-Morambert fora encerrado na prisão da Abadia. Durante as primeiras horas de cativeiro, dominado por essa sobre-excitação raivosa que se apossa de todos os presos, andara às voltas na cela, como uma fera na jaula, esquadrinhando os cantos da prisão, sacudindo as grades da janela, procurando arrombar a porta, esforçando-se, em suma, por descobrir qualquer meio de evasão.
A solidez dos varões, a espessura das paredes, as enormes dimensões da fechadura atarrachada por grandes parafusos, depressa lhe dissiparam as ilusões.
A essa natural agitação, a inatividade forçada fez suceder longas horas de prostração. Invadira-o uma espécie de resignação calma, e nessa noite, à frouxa luz de uma lanterna que o carcereiro acendera, sentado na única cadeira de palha que mobiliava a cela, com os olhos fitos na chaminé vazia, meditava tristemente.
O seu pensamento fugia para o lar onde se sabia tão amado. Via o seu pequeno Tiago lavado em lágrimas, sozinho no palácio deserto, pedindo por ele a Deus.